Campo minado
Campo cego é um livro de páginas em branco, um conjunto de monumentos anônimos e invisíveis no skyline super povoado da cidade grande.  A série de imagens de empenas – face inexpressiva dos edifícios – reconstruída com cautela matemática e rigor estético poderia alinhar-se plenamente às referências históricas da arte e suas recorrências no uso contemporâneo.
Das abstrações do concreto às experiências conceituais de uma fotografia de herança alemã, Campo Cego parece delimitar sua área sobre o alicerce de tais tradições recentes. E de fato o faz, com apuro na observação e senso construtivo no intuito de recolher um componente que não vemos no horizonte.
Sejam as sínteses plásticas da arte geométrica ou a ideia de catalogação de objetos apreendidos pelo olho da câmera, como o arquivo de plantas de Karl Blossfeldt no livro Formas originárias da arte, em 1928 e as célebres tipologias da arquitetura industrial de Bernd e Hilla Becher, nos anos 1960; tudo favorece a ideia de reaver esses elementos na paisagem de São Paulo.
O artista retira os edifícios do anonimato da paisagem urbana e os individualiza de modo igualmente uniforme e sem identidade. Ação que recoloca o sentido do objeto em seu aspecto artificial: a eliminação da perspectiva, a centralização do assunto, a anulação da cor, a captação frontal. Surgem então monolitos brancos, planos e estáveis, erguidos por certa quietude dissimulada e inventariada pelo ato fotográfico.
As empenas de Campo Cego são blocos maciços; outras vezes, matéria oca. As dualidades se apresentam nas próprias imagens que de um lado não mostram nada a não ser planos lisos e opacos, mas cujos traços discretos e individuais de cada prédio podem revelar linhas que demarcam compartimentos, escadas, andares, vestígios de pichação ou manchas do tempo. Índices de uma vida real e de uma cidade palpável. A solidez cede lugar tanto aos enigmas do objeto plástico voltado para sua materialidade fotográfica quanto  às decifrações de sua condição de signo social.
O trabalho escapa da tradição por um processo experimental sutil, mas não menos inquieto. As oposições se dinamizam no modo como o artista compreende e materializa suas imagens.  A série já se mostrou, em sua fase embrionária, guardada em mapoteca, evidenciando o sentido de arquivo e documento; experimentando o conforto da tradição conceitual. Em seguida transformou-se em objeto, uma caixa que definiu a seleção de imagens exclusivamente verticais em que os edifícios se apresentam limpos e mais monolíticos. Tal modulação conferiu ao trabalho um caráter tátil; chamou de volta a tradição minimalista mas no entanto deu ao espectador e ao artista a possibilidade de jogo, de reordenação, com as fotografias soltas na caixa; coladas sobre placas de papelão rígido.
Campo Cego desdobrou-se por fim em um conjunto de blocos de espessuras, formatos e ritmos diversos, somado a um livro de folhas translúcidas que joga com a superposição dos brancos e cinzas da fotografia. O concreto, a limpidez e o silêncio dos prédios da série têm na variabilidade do suporte e dos espaços um componente a favor da sua gramática. Trata-se de uma cidade que solicita sua leitura ou que nos enfrenta com suas páginas em branco: objetos vazios, túmulos gigantes, prédios sem rosto, obeliscos sem história ou um campo minado de implosões. O cimento e o papel seguem juntos e incorporados à calma aparente da galeria de arte. (Mariano Klautau Filho)
Texto crítico produzido pelo curador Mariano Klautau Filho em virtude da exposição Campo Cego realizada na Galeria da Gávea em agosto de 2014.
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Mined Field
Blind Field is a blank-page book, a group of anonymous and invisible monuments in the skyline of a large, over-populated city.  The series of images depicting blind façades – the inexpressive side of high-rise buildings – reconstructed with mathematical precision and rigorous esthetic is aligned to references in art history and its recurrence in contemporary applications.       
From the abstractions in concrete to the conceptual experiences of photography with German heritage, Blind Field demarcates its area on the foundations of these recent traditions. And so it does hinged on keen observation and a constructive sense that reclaims a component we are unable to detect in the horizon.   
Be it the plastic synthesis of geometric art or the idea of cataloguing objects apprehended by the camera’s eye, as in Karl Blossfeldt’s botanical archive in his 1928 oeuvre Urformen der Kunst, and even the celebrated typologies of industrial architecture by Bernd and Hilla Becher in the 1960s; all these things acknowledge the idea of retrieving such elements in São Paulo’s landscape.      
The artist effaces the high-rise buildings of the anonymous urban vista and customizes them in a uniform manner devoid of any specific identity. This action replaces the meaning of the object in its artificial aspect: it eliminates the perspective, centers on the theme, erases all traces of color and captures its frontal view.  What we have left are white, flat, stable monoliths erected by a certain dissimulated quietness orchestrated by the act of photographing.    
In Blind Field, the blind façades are solid blocks and at times mere hollow matter. The dualities are found in the images themselves, in one side they have nothing to show apart from the fact of being flat, smooth and opaque, however their discrete, particular contours can reveal lines that indicate spaces, staircases, floors, graffiti residues or the stains of time. Scars of real life and of a conspicuous city. Its solidity gives way to enigmas of the plastic object kind while it also addresses its own photographic materiality concerned with deciphering its inherent condition in the social field. 
The work breaks with tradition through a subtle experimental nonetheless restless process. Opposing forces render dynamism to the way in which the artist understands and materializes the images. The series has shown - in its beginning phase well kept in a map cabinet - evidence of its archival and documental sensibility; as well as an intimacy with complacency in the conceptual tradition.  Upon that it was transformed into object, a box that defined a selection of vertical images in which the high-rises are presented immaculately and even more monolithic in character. This articulation rendered a tactile character to the work; bringing back to it the minimalist tradition notwithstanding giving the viewer and the artist himself the possibility of a game, of reordering, with the loose photos inside the box; glued on to heavy-duty cardboard sheets.          
Blind Field eventually unfolded into a group of blocks with several widths, formats and different rhythms, as well as a book with clear pages that play with the superposition of the whites and greys in photography. The concrete, brightness and silence of the high-rise buildings in the series have in its several supports and spaces a component in favor of its grammar. It refers to a city that yearns to be read or to face us with its blank pages: empty objects, giant tombs, faceless buildings, obelisks devoid of history or a field mined with implosions. The cement and the paper flock together incorporated to the apparent peacefulness of the art gallery.  (Mariano Klautau Filho)             
Critical text by Mariano Klautau Filho, curator of the exhibition Blind Field at Galeria da Gávea, Rio de Janeiro, August 2014.







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