Vá até o Museu da Casa Brasileira. Adentre o eclético palacete. Transpasse o pequeno vestíbulo. Atravesse o largo saguão. Quando chegar ao salão de acesso ao jardim, deixe o eixo central do Solar e vire à direita. Verá um portal para um alvo ambiente onde parece emanar luminosidade. Vá para este espaço.
Primeiramente, pare na soleira da porta, olhe para frente e admire. Isto é arquitetura, já diria o egrégio mestre, “o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes dispostos sob a luz”. Cada elemento é rigorosamente dimensionado. Cada perspectiva está precisamente articulada. Cada passo a ser dado foi previamente determinado. Apresento-lhe o modo correto de ver este lugar.
À sua direita, há um bloco à meia altura. À esquerda, há um pequeno cubo frente a uma mureta que lhe permitirá ver o que há por trás. Siga reto por entre eles.
A diagonal do longo volume direcionará seus olhos para uma fotografia. Uma imagem daqui mesmo. O ato de enquadrar é digno àquilo que é imaculado e transcendental, como este ambiente que você está adentrando. Somente luz e sombra. Uma aproximação de um canto, de uma fresta, de planos que se diferenciam por sfumatos.
Contorne a mureta e você se verá frente a dois blocos esbeltos: um encostando na parede, outro colado à mureta. Prossiga pelo intervalo que há entre o duo. Você se deparará com um volume de altura pouco maior que o nível do olho: você tem as dimensões do modulor, certo?
Eis que você se encontra no centro da sala. Faça um giro com o corpo. Contemple o conjunto. Tudo é branco sobre branco. Massas distintas, recintos segmentados, superfícies desalinhadas, pouco importa: toda divisão se pacifica na alvura.
Aqui também há uma bifurcação. Por um lado, você terá o caminho mais largo, porém mais curto. Pelo outro, terá o recinto mais fragmentado repleto de arestas e quinas. Enfie-se no canto de ângulo agudo: será o único esconderijo a que, por aqui, terá direito. Mas, saia dele e siga a promenade architecturale. Aqui até você pode retornar à porta por onde iniciou esta breve jornada – não faça isso.
Invariavelmente ficará diante de uma imagem que reafirma o controle exercido do autor (i.e., eu, a autoridade) sobre a visão do usuário.
À direita da foto, verá a mais estreita passagem. Atravesse-a de lado, mas não toque nas brancas paredes. Não vá conspurcar o alvor que tudo esclarece e indefine: os frágeis contornos da mesma gama de cores em concomitância ao credo na lucidez da razão e da ciência. Para que não esqueça disso, antes de sair, você vai se deparar com a última fotografia: tão branca quanto tudo que por aqui encontrou.
Agora você está livre. Fez-se aberta a porta de saída deste discurso espacial. A experiência condicionada. Não mais seguirá sob meu controle. Porém, ingênuo será se pensar que o determinismo não prosseguirá nas próximas salas, ruas, cidades. Você acha que tem liberdade?                                                                                                                                                              
                                                                                                                                                                                                    O Arquiteto
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Texto produzido por Francesco Perrotta-Bosch em diálogo com a instalação O Movimento e a Pausa, parte da exposição Experimentando Le Corbusier, Museu da Casa Brasileira (2018). Com assinatura "O Arquiteto", o texto foi enviado por whatsapp e email, a partir de contas criadas especificamente para esta finalidade,  para pessoas ligadas à arquitetura, design e arte contemporânea.
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