O Eco das Sombras, instauração realizada em colaboração com Aline Setton para o contexto específico do Canteiro. Curadoria e texto crítico por Omar Porto (outubro/2023)
O tempo é a água invisível 
que nos  envolve quando
 não estamos mais dentro d’água.
                                                                                                                                                                                                                                 Leda Cartum 1
Os povos originários se orientavam pela luz, através da passagem do tempo que se dava pela incidência da luz, onde escurecer, amanhecer e anoitecer são verbos do tempo. Com a criação do relógio, o tempo teve um novo modo de marcação, se tornando até um instrumento de controle de corpos, o que gerou a perda de proximidade com a natureza e seu processo mais cíclico que possui outras formas de orientação.
Na relação entre arte e arquitetura por um viés da poesia: a luz é uma dimensão do tempo. E pensar nas possibilidades de construções, elaborações poéticas e visuais entre esses dois campos é investigar as camadas de construção do habitar. Camadas que não são só constituídas pelo espaço físico, concreto dos materiais que dão utilidade e beleza à construção, mas são também práticas de apropriações de camadas que modificam os modos de uso do espaço fazendo-o aproximar ao campo da abstração. São processos importantes para uma experiência mais fenomenológica dos espaços, que juntos podem contribuir para outras relações, aquelas mais próximas ao universo da fabulação.
Um desses elementos que dão uma sublimação ao espaço e marcam o tempo pela incidência e pela sua falta é a luz. Ao mesmo tempo, em que ela ilumina algo, ela sempre deixa outro na sombra, no escuro. E são para esses escuros que somos convidados a olhar, entendendo-os como possibilidade de leituras dentro do contemporâneo, conforme aponta Agamben: perceber o contemporâneo é perceber os escuros que o compõem, é “perceber no escuro do presente essa luz que procura nos alcançar e não pode fazê-lo.”2 Dessa maneira, Agamben coloca que conforme os neurofisiologistas é na ausência de luz, que uma série de células periféricas da retina são ativadas, as off-cells e é através dessa atividade que nossa visão produz o escuro. Portanto, como conclui Guilherme Wisnik, “estendendo essa imagem para a percepção daquilo que há de escuro na contemporaneidade, podemos entendê-la, então, não como uma forma de inércia ou de passividade, mas como uma particular habilidade”3.
Partindo dessas investigações das possibilidades de relação entre arte e arquitetura em um processo de construção de um trabalho site-specific, Aline e Ivan exploram as relações entre luz, espaço e arquitetura. Lembrando que a luz é responsável pela formação das imagens em nosso sistema ocular e também é a matéria utilizada nos equipamentos de projeção de imagem, ao mesmo tempo, em que ela possibilita a imagem, ela também constrói a imagem. São os mecanismos da imagem, do espaço e do tempo que proporcionam uma imagem corporificada, experiência vivida e especializada, estabelecendo um caráter multissensorial, “Imagens poéticas simultaneamente evocam uma realidade imaginativa e se tornam parte de nossa experiência existencial e noção de identidade pessoal.”4
Entender o espaço como matéria e suporte é trazer o conceito de Instauração utilizado por Tunga ao pensar seus trabalhos. Por meio de um caráter que vai além de uma dimensão instalativa passando para uma prática que quer instaurar o lugar.
Desse modo, ativando suas camadas abstratas e rompendo com uma suposta hegemonia do olhar dentro do campo da percepção. Nesse jogo, ao estabelecer relações entre corpo e tempo, os artistas redimensionam a experiência espacial, tornando-a mais ativa nessa arquitetura. Questões fundamentais para entrar na pesquisa e no processo elaborado em O eco das sombras.
Pensar nos corpos que esses trabalhos constroem no espaço, partindo da claraboia, um corte geométrico na cobertura para entrada de luz natural. Uma coluna de ar, de luz, que de forma metafórica sustenta o que não é sustentável. A fresta de luz, a imagem duplicada e a luz artificial que é rebaixada próxima ao chão, iluminando ornamentos, que são muito comuns na serralheria e a dimensão sonora proposta por Yoichi Kamimura. São trabalhos que exploram outras camadas do espaço e incorporam a luz como um elemento que constitui e envolve a arquitetura e o tempo, capaz de criar leituras, aproximando a modos mais "instaurativos" e específicos do espaço.
Omar Porto
1 CARTUM, Leda. As horas do dia: pequeno dicionário calendário. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012, p.48.
2 AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios, trad. Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos, 2009, p.65.
3 WISNIK, Guilherme. Dentro do nevoeiro: arquitetura, arte e tecnologia contemporâneas. São Paulo: Ubu editora, 2018, p. 301.
4 PALLASMA, Juhani. A Imagem corporificada: imaginação e imaginário na arquitetura. Porto Alegre: Bookman, 2013.
Aline Setton (n. 1993, Brasil) 
Aline Setton é uma artista visual brasileira que vive entre São Paulo e Toronto, Canadá. Frequentou o curso de arquitetura e urbanismo na Universidade Escola da Cidade, SP, Brasil (2013) antes de se mudar para a Califórnia, nos Estados Unidos, onde estudou Cinematografia, na Academy of Art (2015) e Studio Arts, na Sierra College (2016). Foi aprendiz de pintura do artista Oliver Vernon (2016) e participou do acompanhamento de projetos no Hermes Artes Visuais, orientado por Carla Chaim, Marcelo Amorim e Nino Cais (2019). Seus estudos em arquitetura e vivências em diferentes países aparecem como bases na sua pesquisa. Desenvolve trabalhos caracterizados por composições labirínticas, efeitos de simultaneidade e diálogos entre corpo, objeto e espaço. Participou de residências artísticas, entre elas a residência Fonte no Brasil (2022) e Córtex Frontal em Portugal (2018). Os seus trabalhos foram apresentados na exposição individual Lupa, na Ap'Arte, Porto, Portugal (2019) e em exposições coletivas, incluindo: Mar, Rio, Fonte, Galeria Karla Osório, Brasil (2023); Tropi-X - Brazilian Art in Canada from the 70’s to the present, Canadá (2023); 4a Bienal Internacional de Arte de Gaia, Portugal (2021); Making Spaces, Sur Gallery, Canadá (2020). Em 2022, criou a instalação Plan View: A look into the eye of a building para a praça Nathan Phillips Square, Toronto City Hall, Canadá. Sua obra faz parte de coleções como Museum London, Canadá e Museu Nacional de Belas Artes, RJ, Brasil. 
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Omar Porto, vive e trabalha em São Paulo. Arquiteto e Urbanista, pesquisador e curador independente. Mestre em História e Crítica da Arte pela EBA-UFRJ, doutorando em Arquitetura e Urbanismo FAU-USP na linha de pesquisa: Projeto, Espaço e Cultura. Sua pesquisa tem como ponto de partida a curadoria em uma confluência entre arte e arquitetura e sua relação com a historiografia. Foi curador das exposições “rebento”, “A soma dos quadrados dos Catetos é igual ao quadrado da Hipotenusa”, “ÁREA”, “afeto contínuo”, “imóvel em exposição” e "E se ouvíssemos a casa?". Propôs um ciclo de encontros entre Arquitetura, Cinema e Psicanálise realizado no xow.rumi, Glória-RJ, e em São Paulo acompanhou como curador convidado durante um mês, um grupo de artistas na Casa Tato 6. Entre suas práticas está também a elaboração e desenvolvimento de projetos de arquitetura e curadoria, produção e montagem de exposições.
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Yoichi Kamimura (1982 - Chiba, Japão)
Graduado em 2008 pelo Departamento de Pintura a Óleo, Universidade de Artes de Tóquio. Em 2010 teve o Mestrado em Belas Artes concluído pela Universidade de Artes de Tóquio.
Baseando-se principalmente em suas gravações de campo, Kamimura experimenta métodos que exploram a visão, a audição e outros sentidos para perceber diferentes cenários. Seu extenso corpo de trabalho inclui instalações sonoras, pinturas, obras em vídeo, performances sonoras e trabalhos de áudio - apresentados em locais tanto no Japão quanto no exterior.
Kamimura se refere ao processo de gravação de campo como um ato de "caça meditativa" - nesse processo, ele age como observador da relação amorfa entre a humanidade e a natureza. Kamimura compõe suas instalações sonoras criando "paisagens sonoras" altamente imersivas, muitas das quais exploram nossa própria biologia para criar experiências sensoriais únicas.

Através da coleta e rearranjo dos sons presentes no ambiente, o artista busca abalar as percepções tradicionais de paisagem e tempo. Sua prática encoraja os ouvintes a reconsiderar suas visões preconcebidas da realidade, convidando-os a experimentar um novo entendimento da relação entre som, paisagem e cronologia.
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